Capítulo II

Alguns dias haviam passado desde o incidente com o gang e Kuroi, Makoto e Sochin rapidamente regressaram às suas vidas habituais na escola. Mas qualquer incidente tem o poder de aproximar ou afastar as pessoas...



-GAAAH, NÃO ACREDITO NISTO!!

-Makoto? Porquê tanta gritaria...

-Está sempre a acontecer... Quero tirar um pacote de limonada da máquina mas em vez disso acabo por carregar no botão do sumo de uva... - Resmungou Makoto num tom excessivamente dramático. - Agora desperdicei dinheiro!

-Estou a ver... - Respondeu Kuroi sem se alterar.

Tirou do bolso uma moeda e carregou num botão da máquina de venda, agarrando depois no pacote que saiu e estendendo-o na direcção do outro rapaz. - Toma, eu fico com esse.

-A sério? Tiraste o sumo que eu queria? Muito obrigado, Kuroi-senpai!! - Respondeu Makoto com um brilho nos olhos azuis-acinzentados.

-Não tens de agradecer... O de uva é o meu preferido, seja como for. - Disse com um sorriso embaraçado.

-Acabo sempre por tirar sumo de uva por engano, e agora conheço alguém que gosta dele... ESTÁ DECIDIDO, SENPAI, A PARTIR DE AGORA SOMOS MELHORES AMIGOS!!

De repente, Sochin atravessou-se entre ambos.

-PORQUE É QUE VOCÊS OS DOIS ESTÃO TÃO AMIGUINHOS?! - Gritou com um olhar incendiário.

-U-uhh... Também não sei muito bem o que está a acontecer aqui... - Disse o mais velho, espetando a palhinha no pacote de sumo desinteressadamente e começando a beber. - Só troquei o pacote de sumo pelo que ele queria.

-Pfff, Nii-chan, não devias andar por aí com um arruaceiro como ele! Anda, não queres chegar atrasado à próxima aula, ou queres? - Disse ela, puxando Makoto pelo braço e arrastando-o para longe de Kuroi. - Francamente, não posso tirar os olhos de cima de ti...

O rapaz de cabelo castanho suspirou. Obviamente não esperava que Sochin simpatizasse com ele depois de a ter raptado, mas por qualquer razão as palavras de Makoto ainda ecoavam de forma estranha na sua mente.



Não me parece que ele estivesse a falar a sério... Quero dizer, quem iria escolher o melhor amigo por um segundo encontro e um pacote de sumo...?



A campainha tocou, mas Kuroi não tinha vontade de ir à aula. Apesar da sua reputação na escola, era um aluno bastante razoável sem se esforçar, o que só o tornou menos popular entre os outros alunos, especialmente os mais trabalhadores. Mesmo assim, nunca lhes deu muita importância nem ao que pensavam dele.

Sem ter bem a certeza de para onde ir, esgueirou-se até aos cacifos para ir buscar as suas coisas e ir para outro local qualquer.

Ao abrir o cacifo, algo esvoaçou do interior que o surpreendeu. “O que é isto, um bilhete?”, pensou, apanhando-o e vendo o que estava escrito no pedaço de papel.

Vem ter às traseiras da escola no fim das aulas.

Não estava assinado, mas as letras tinham decerto sido desenhadas por uma rapariga. O hiragana era bastante arredondado, mas por alguma razão não se tornava difícil de ler como a caligrafia da maioria das raparigas da escola. Kuroi pensou que era, no geral, uma letra bastante engraçada e certinha para uma jovem estudante.

Guardou o bilhete no bolso e fechou o cacifo.




Finalmente, as aulas acabaram.

Do terraço no telhado, o rapaz de cabelo castanho podia ver todos os alunos a sair das aulas. Apressou-se até ao outro lado para ver se o remetente do bilhete já tinha chegado, e não se desapontou; abaixo, no pátio, Sochin e Makoto esperavam-no.

A rapariga apercebeu-se da sua presença e o irmão acenou, como que chamando-o para se juntar a eles.

-Despacha-te e vem cá, não penses que vou aí acima. - Reclamou Sochin com um olhar superior.

-Com que então, a menina quer que me despache... - Disse Kuroi. - Com certeza.



Tomando um pouco de impulso, saltou sobre a balaustrada e deixou-se cair do topo do edifício, deixando os dois irmãos em choque. A rapariga abafou um grito, agarrando-se com força ao braço do irmão.

-H-HOY! - Exclamou Makoto.


O mais velho caiu a uma velocidade estonteante e aterrou agilmente sobre os dois pés, agachado com a ajuda de uma mão. Não parecia atordoado, mas mais indiferente.

-Então, porque é que me chamaram aqui? - Disse de uma forma perturbadoramente natural.

-Não... ajas... como se não tivesse acontecido nada!! - Berrou a rapariga loira. - Não acabaste de saltar desta altura toda desde o telhado?!


Makoto estava sem palavras, fitando a distância entre o terraço e o chão.


-Se tu gostas de dar ordens, eu gosto de me exibir. - Respondeu Kuroi com um sorriso entretido. - Alguém que consegue formar um campo de forças em redor de si mesma quando está em perigo não devia olhar assim para mim por causa de um único salto...

-Pára de falar disto tão normalmente! - Disse ela.

-Espera, o teu irmão sabe disto... certo?

Makoto olhava para ambos de forma estranha. Tinha uma expressão perdida estampada no rosto.




-Parvo.. Eu disse-te que não viesses... - Disse a rapariga ao irmão, olhando para baixo.




-Não. - Ele sacudiu a cabeça. - Eu sabia que não era só intuição, a forma como pressentias quando alguém estava por perto... O que há entre vocês os dois, exactamente?

-Oh, eu e a tua irmã somos diferentes. - Respondeu o mais velho, trepando a uma árvore baixa e recostando-se num dos ramos. - Mas eu preciso de algo dela. No entanto, foi ela quem me chamou aqui hoje... Por isso não faço ideia do porquê de estarmos aqui.

-Chamei-te porque me disseste - Começou ela. - que eu poderia descobrir mais sobre a minha capacidade. Chamaste-me uma Medium, e eu quero... Não, eu tenho de saber o que isso significa!

-Uma... Medium? - Perguntou Makoto.

-Heh, acho que agora que comecei isto vou ter de vos explicar tudo. - Suspirou Kuroi. - Comecemos pelo que isso significa...

Sentou-se direito no ramo e apontou para Sochin.

-Medium é uma pessoa capaz de ligar mundos, em termos simples. É uma capacidade rara, mas alguns humanos têm uma ligação tão grande com o Tecido Dimensional que merecem ser chamados por esse nome.

-Mundos? Tecido Dimensional? - Interrompeu Sochin. - Estás a gozar...

-É tão real como uma das tuas barreiras, ou eu estar vivo depois de saltar dali de cima. Ou és tão céptica que não acreditas sequer no que tu própria podes fazer?

-Então... ela pode fazer... magia? - Arriscou Makoto, ainda olhando para a irmã com um sentimento de confusão.

Kuroi soltou um pequeno riso.

-Acho que um humano porá as coisas dessa forma... A habilidade principal dela, mesmo assim, está ainda por se revelar. É por isso que eu aguardo... O momento em que Sochin-san irá ligar dois mundos.

-Dois mundos...? Não, ainda antes disso... O que queres dizer com “um humano”? Quase fazes parecer que-

-Isso já é mais do que a explicação que vos devo. - Respondeu o mais velho, não parecendo irritado com a pergunta. - Mas sim, existem outros mundos para além desta Dimensão. Quantos, não imagino sequer... Mas só um me interessa. - Voltou-se, então, para a rapariga. - Sochin-san, preciso que me abras um Portal para esse mundo. É muito importante que concordes em fazê-lo, e em troca contar-te-ei mais sobre tudo isto.

-Não sei... - Murmurou ela. - Tudo isto, assim de repente...

-E eu? - Interrompeu Makoto. - Somos irmãos, isso não quer dizer que...

-Posso garantir que és um humano perfeitamente normal, apesar de um pouco... estranho. - Respondeu Kuroi com um sorriso.

-Tsk, “estranho”, dizes... Então e tu, és o quê?!

-Não me apetece dizer agora. Tu compreendes, certo? É da tua irmã que eu preciso.

O rapaz de cabelo claro fitou o chão, aparentemente ofendido, mas não disse nada. Sochin não sabia como reagir, mas pareceu chateada por ver o irmão ser tratado assim.

-Mas hey... Isso não quer dizer que não possamos ser amigos, certo? - Acrescentou Kuroi. - Estranho ou não, és a primeira pessoa que não se afasta de mim quando chego. Acho que até posso ficar bem com alguém assim do meu lado.

Makoto olhou-o nos olhos, surpreendido.

-ELE ESTÁ A USAR-TE, IDIOTA!! - Guinchou sochin, fitando Kuroi de seguida. - Se achas que podes chegar a mim através do meu irmão, desengana-te!

O mais novo ia dizer algo, mas o mais velho interrompeu novamente.

-Não posso mesmo fazer-te ver-me de uma forma diferente... Mas não significa que não possa tentar.

Sem olhar para trás, saltou do ramo da árvore e acenou-lhes enquanto se afastava.



Ao sair pelo portão da escola virou à direita e deixou de ser visível atrás dos altos muros que rodeavam o pátio.

Os dois irmãos tentaram segui-lo, mas quando passaram o portão não conseguiram ver para onde se tinha dirigido.

Era tal como se se tivesse desvanecido.

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