Capítulo III

Pergunta cinco.


Uma voz ecoou no meio do nada, demasiado difusa para ser compreendida.


Pergunta cinco.


Veio então um livro, e a sua capa era dura. Kuroi acordou com uma dor de cabeça e a sua professora a fitá-lo furiosamente.

-Seishin-kun, não gostaria de elucidar os seus colegas em relação à resposta à pergunta cinco? Ou precisa de dormir mais um pouco sobre o assunto?

-Uhh... - Disse o rapaz, esfregando a cabeça com embaraço. Fitou o quadro negro por uns segundos, como que a tentar perceber rapidamente os gatafunhos que via com os olhos ainda enevoados. - Sensei, não sou capaz de ler aquele número ali. Acho que lhe pousou uma barata em cima...

-Uma barata? O-onde?!

Mas não precisou de a apontar para a sua professora. Como um salva-vidas, a campainha para o intervalo da manhã ressoou e ele correu para fora da sala mais depressa do que alguém conseguia acompanhar.

-Tsk, Matemática... Porque é que alguém iria precisar disto? Deviam ensinar-nos a caçar animais selvagens... Sempre era mais útil.





-Aah, está a ficar tanto calor... Pergunto-me quanto tempo falta até mudarmos para o uniforme de Verão... - Comentou Makoto, saindo da sua sala. - Esta gravata também me está a matar...

De repente, viu o que pareceu ser Kuroi passar por si a correr a uma velocidade estonteante. Pestanejou algumas vezes antes de se aperceber do que poderia ter acontecido.

-Correr dentro da escola? Mas qual é a ideia desse arruaceiro! - Comentou Sochin, juntando-se a ele da sua sala. - Aposto que voltou a fazer das suas...

-Quem sabe, provavelmente não nos contaria mesmo que lhe perguntássemos... - Respondeu Makoto, sorrindo ao de leve. - Seja como for, já ouviste a novidade?

-Hm? Que novidade? - Perguntou ela. - Ainda não ouvi nada hoje...

-Alguém estava a dizer que temos uma aluna que pediu transferência e vai chegar hoje! Acho que vai ficar na turma do Kuroi-senpai...

-A sério? Gostava de a conhecer! Quero dizer... seria bastante mau se alguém como ele marcasse a primeira impressão que ela vai ter desta Academia...

-Hey, isso é um bocado mauzinho... De qualquer maneira, é possível que ela esteja na Sala dos Alunos. Queres ir dar uma vista de olhos?

-Un! - A rapariga acenou com a cabeça.





A Sala estava movimentada como era hábito. Muitos estudantes a conversar, alguns grupos pareciam comparar resultados de testes.

Junto ao quadro de anúncios estava uma jovem alta, de cabelo negro. Parecia concentrada na leitura.

-Olá, és a nova aluna, certo? - Perguntou sochin, caminhando na sua direcção com um sorriso.

A rapariga de cabelo preto voltou-se e devolveu o sorriso.

-Parece que sim... Prazer em conhecer-te!

-Igualmente! Então, estás com problemas em escolher um clube para te juntares no fim das aulas?

-Sim, estava a tenta-

-GAAH, HAVIA UM CLUBE DE BANDA DESENHADA AMERICANA?! COMO É QUE EU NÃO O VI QUANDO TIVE DE ESCOLHER UM? - Gritou Makoto, interrompendo a conversa de ambas.

-Aquele rapaz ali é extremamente parecido contigo... São irmãos? - Perguntou a nova aluna.

-Errrgh... Sim, temo bem que sim...

-Ele é sempre assim tão barulhento?

-Só quando quer sofrer... - Disse a loira, puxando Makoto por uma orelha para junto das duas.

-Isso dói!! - Reclamou o rapaz.

-Oh, olá, muito prazer!

-Y-yo... - Respondeu ele. Nesse momento, a única coisa que passou pela sua mente foi o quão curta a saia dela lhe pareceu.

-O meu nome é Sochin, - Disse a mais nova. - e este aqui é o meu nii-chan, Makoto. Como te chamas?

-Kohaku Mera. - Respondeu prontamente a outra, puxando a saia ligeiramente para baixo. - Olha, não quero dar muito trabalho mas... Sabes de alguém que me pudesse guiar pela Academia? Como é o meu primeiro dia aqui, estou um pouco perdida...

-Nós podemos ser esse “alguém”! - Disse Makoto entusiasticamente. - Não achas, Sochin?

Porque é que ele está tão entusiasmado assim de repente...”, pensou a rapariga para consigo, mas concordou.





-E aqui é a sala do Clube de Música... oh, já está a tocar para a entrada? - Disse Sochin. - Temos de nos despachar e voltar para as aulas!

-Não há problema, também tenho de ir andando para a minha primeira aula... - Respondeu Mera, fazendo uma vénia. - Muito obrigada!

-O prazer foi nosso, Kohaku-san~! - Disse Makoto enquanto ambos deixavam o corredor.


Ela caminhou por alguns segundos até avistar a sua sala de aulas, e abriu lentamente a porta.


-Aí está. - Disse o professor, um homem alto de meia-idade que usava óculos e um fato e estava de pé em frente ao quadro negro. - Faça favor de entrar para se apresentar à turma.

Ela acenou e entrou para a sala.


De repente, o som de uma cadeira a arrastar pelo chão e duas mãos a atingir o tampo de uma secretária cortou o silêncio da sala.

Na segunda fila a contar da frente, Kuroi estava de pé com uma expressão de choque estampada no rosto, sem palavras. Os seus colegas viraram-se para ver o que se passava; era a primeira vez que o viam assim.

-Seishin-san, explique porque é que está de pé. Isto é uma aula! - Exclamou o professor, indignado.

O rapaz hesitou por segundos, fitando intensamente a nova estudante. Havia algo perturbadoramente familiar nos seus olhos quentes, cor de âmbar, e na sua beleza felina.

-N-não... Não é nada... Peço imensa desculpa. - Respondeu, visivelmente perturbado mas voltando a sentar-se. - Não voltará a acontecer, por favor prossiga.

-Espero sinceramente que não. Agora, poderia fazer o favor de dizer à turma o seu nome?

A rapariga acenou e sorriu abertamente, como se não tivesse reparado na reacção de Kuroi. Pegando num pauzinho de giz, escreveu o seu nome em Kanji no quadro.

-Chamo-me Kohaku Mera, tenho 17 anos. Mudei-me recentemente da região de Hokkaido e... umm... Estou ansiosa por conhecer todos vocês! - Disse ela, tentando manter um sorriso e fazendo uma vénia no final.

-Muito bem. Agora, por favor escolha um lugar para começarmos a aula...

Mas a jovem já se dirigia para a segunda fila. Sem pensar duas vezes puxou a cadeira na secretária livre junto a Kuroi, para grande surpresa de toda a turma.

-Espero que não te importes. - Disse Mera numa voz suave, alto o suficiente para que os outros ouvissem.

Kuroi não lhe deu uma única palavra como resposta e ela sentou-se.





Foi incapaz de tomar atenção durante toda a aula. Quando acabou e chegou a hora de almoço, ela seguiu-o sem uma palavra até ao exterior.

-O que é que tu estás sequer a fazer aqui... - Perguntou ele de repente, voltando-se para ela. A sua expressão alterou-se de neutral para séria.

-Estou inscrita na Secundária, tal como tu. É uma surpresa assim tão grande, Kuro-chan?

-Oh, estou a ver que vocês os dois já se estão a dar bem! Fico feliz! - Disse Makoto, juntando-se a ambos. Sochin estava mesmo ao seu lado.

Mera acenou com a cabeça, sorrindo novamente.

-Sabem, o Kuro-chan e eu já nos conhecíamos antes! Foi uma surpresa muito agradável quando descobri que estávamos na mesma turma!

O mais novo tentou conter o riso depois de ouvir o que ela tinha acabado de chamar a Kuroi. O outro ainda estava confuso, mas depressa se recompôs:

-Nós não nos estamos a dar bem! Esta pessoa... Eu... Ela seguiu-me até aqui, não somos amigos!!

Os dois irmãos fitaram-nos, confusos.

-Essa doeu, Kuro-chan! Pensei que, ao fim de todo este tempo, te tivesses tornado mais gentil... Ainda não consegues ultrapassar tudo aquilo por que passámos juntos?

-Nem sei do que estás a falar!

-Vais dizer que tambem não sabes nada sobre ISTO? - Disse ela, no mesmo instante puxando para cima a saia do uniforme para revelar a coxa direita.

Algumas exclamações em redor fizeram-se ouvir, mas ela fingiu ignorá-las.


Na sua coxa, uma marca vermelha-escura que parecia tatuada na sua pele tornou-se visível. Parecia algum tipo de símbolo.



Ela está disposta a ir tão longe...”, pensou Kuroi.



-Está escondida pela manga do casaco, - Disse ela, apontando para o rapaz. - mas ele tem um símbolo semelhante tatuado no antebraço esquerdo! Fizemo-los juntos, como símbolo do nosso namoro!

Sochin olhou para ambos, em choque.

-Senpai... isso é verdade? - Perguntou o irmão.

Kuroi levou a mão ao antebraço esquerdo instintivamente, nervoso.

-N-não!! É tudo uma enorme mentira! Dizer que alguma vez tive algo a ver com ela... não é...

-Mas, se tens mesmo essa tatuagem... Vocês os dois foram tão longe juntos... - Disse Sochin.

-É claro que a tem, eu sei o que estou a dizer! Era tudo tão perfeito antes de te mudares para fora da cidade... Kuro-chan, como é que és capaz de negar tudo agora?! - Lamentou-se a jovem de cabelo negro. A sua voz começara a tornar-se trémula e estava totalmente vermelha.

-Já chega de fingimento, Mera!! Não sei o que pretendes com esta cena toda, mas não tem piada nenhuma!



Ela fitou-o nos olhos durante alguns segundos antes de rebentar em choro. Sem uma palavra, voltou as costas ao grupo e fugiu a correr.


Um silêncio sufocante abateu-se sobre eles. Sochin olhava para Kuroi, aguardando que dissesse algo.


-...Acredita em quem quiseres. - Disse ele. - Sinto que estou a perder o meu tempo...





Horas depois, após as aulas da tarde, Kuroi encontrou Sochin à sua espera junto aos cacifos.

-Vieste aqui para me acusar? - Perguntou, sentando-se num banco e voltando a calçar os ténis. - Já me chega ter tido de olhar para a cara dela o dia todo.

-Não vim falar contigo sobre isso. - Respondeu ela. - Tomei a minha decisão... Vou ajudar-te a alcançar esse mundo de que tanto falas quando chegar a altura. Mas precisamos de um lugar onde discutir melhor isto.

-Creio que não seria bom para ti andar fora de casa de noite. - Respondeu o rapaz num tom calmo. - Quando e onde, então?

Vem connosco para casa amanhã depois das aulas, e podes passar a noite no quarto do nii-chan. - Sugeriu ela. - É Sexta-Feira e imagino que não estejas em nenhum clube, ou estás? Oh, e tenta estar apresentável. Seria bom se pudesses usar o uniforme como as pessoas normais só desta vez.

-Um convite para ir a vossa casa? Isso apanhou-me de surpresa... - Suspirou Kuroi. - Mas de certeza que isso do uniforme é mesmo necessário...?

-É claro, os nossos pais chegam de noite e se te vissem assim vestido nunca te deixariam passar lá a noite! Tive de lhes dizer que eras uma pessoa muito organizada e educada só para os convencer!

-Pfff, que carga de trabalhos... - Respondeu ele, levantando-se com as mãos nos bolsos. Mas se é assim parece que não tenho escolha.

Ela seguiu-o com o olhar, ainda desconfiada.

-Oh, e... - O rapaz afagou-lhe a cabeça de leve, alterando a sua expressão para um sorriso inesperadamente gentil. - Obrigado.



Nesse momento, ela corou ligeiramente. Por um segundo, Sochin pensou que ele parecia uma pessoa totalmente diferente quando sorria.

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